sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Carta de adeus, adeus boa viagem. E Nelson Cavaquinho cantando "Quando eu me chamar saudade"

2015. Te escrevo como quem sai de casa e caminha por ruas desconhecidas.
No último encontro nos vimos pouco e pouco falamos. Estavas mais nervoso e eu mais impaciente. Irritada.
Fiquei muitas vezes nesses dias de outubro te observando de longe. Arredia. Meu sentimento era de amor e raiva. Bem antagônicos e devo te confessar, intensos.
Na realidade tu despertas sentimentos fortes nas pessoas, foi sempre uma das tuas características. Ame-o ou deixe-o. Nunca te deixaria. Não sei porque mas desde que te conheci, em 1990, tive um apego imediato por ti. Pelo teu jeito de jogar, cantar. Dessa intensidade de ser. Pleno. Esse modo bruto, diriam alguns! Eu daria outro nome: verdadeiro até o extremo. Outra coisa era quando olhavas, falavas muito pelos olhos: toca direito. Impressionante.
Tive algumas brigas fortes por causa desse teu jeito, dessa tua intransigência. Mas incrível, para mim, eras indispensável na capoeiragem da cidade. Pelo teu modo de ser e compreender a capoeira. Tivestes boa escola e penso agora, que mesmo as vezes não percebendo, a lição que passavas era fundamentada no teu aprendizado inicial. Afinal carregamos em nós o legado que recebemos.
E tudo isso faz com que sejas um nome permanente no meu coração. Mas nesse mesmo coração existia a vontade de jogar contigo e no jogo exaurir a gana que sentia.
Nesse nosso último contato ficava matutando, procurando entender o porquê de algumas atitudes. Porquê da teimosia? E pensava: pô que homem difícil!
E brigávamos muito. Confesso que gostava de brigar. Ver se conseguia irritá-lo, de questioná-lo. E quantas vezes quando eu estava bem séria, vinhas com ironias, piadas e quando me dava conta já estava rindo.
Te levamos na rodoviária, eu e o Polegar. Estavas agitado, né? Guardo duas imagens: como comestes rápido o lanche segurando tua bolsa e a caixa com passarinho.  E quando nos despedimos e subistes no ônibus: os olhos sérios e de um verde escuro. Foi a última imagem. A última conversa.
Não te liguei no Natal. É uma das minhas tristezas. Não te liguei. Sempre ligava. Mas nesse pensei: vou ligar pro mestre no Ano Novo. No Natal não, falo com ele na passagem do ano.
Não deu. Passastes pra outra estrada. A passagem foi mais ampla. Solitária.
Fiquei com pensamentos e falas suspensas.
Em Guarujá, na derradeira despedida, no calor do dia, pensei no tempo, no que não disse, no que não perguntei, no que não consegui fazê-lo entender, no que gostaria de ter voltado a unir, no que eu tinha que ouvir e aprender e mais ainda, aceitar.
A carne é fraca, a de todos nós, mas o espírito, mestre, esse evolui, sempre.
Na caminhada estamos acompanhados mas solitários no plantio e na colheita. Que tenhas fé e confiança pois na diversidade da tua plantação a colheita foi generosa. Somos parte dela. Agradeço por ter caminhado contigo.
Sabe, Braulino, quero mesmo é que descanses. Que te acalmes, que te sintas amado. Que não tenhas mais pressa e que sejas paciente E que caminhes mais devagar, (pois é assim que se vai mais longe), e eu posso um dia te alcançar.
E mesmo atrasado, um Feliz Natal. Bom ano.
Boa nova vida. Força. Axé. Te gosto. Danuza.